segunda-feira, 25 de abril de 2011

Uma página de meu diário docente – 25 de abril, encontro com pedras e o livro BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS, de Nereide Schilaro Santa Rosa



Gostaria de registrar, antes de apresentar algumas considerações sobre o encontro com o livro acima citado, como as crianças reagiram com a presença das pedras do fundo de um rio coletadas por mim na Casa de Telhas, distrito de Jaboticatubas.

Juntei pedras redondas e chatas, grandes e pequenas. Disse que era uma lembrança de meu feriado (Semana Santa). Ao pegarem e baterem umas pedras nas outras, algumas crianças começaram a produzir sons que despertaram o interesse do grupo. Com isso, associaram as pedras a instrumentos de percussão. Um menino achou uma parecida com uma prancha(de surfe). Assim que foram perdendo o interesse pelas pedras, fui recolhendo-as e, depois de guardadas e acompanhando meu planejamento peguei, para iniciarmos nova conversa, o livro “BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS” de Nereide Schilaro Santa Rosa[1)

O livro apresenta muitas pinturas de períodos diversos que trazem brincadeiras e brinquedos. Além disso, há imagens de bonecas, carrinhos e outros brinquedos de povos e tempos diferentes.

A primeira pintura apresentada foi “Brincadeira de rapazes”, de Pieter Bruegel[2].

Brincadeira de rapazes, Pieter Bruegel, 118x161 cm, Kunsthistorisches Museum, Viena

As crianças perceberam que na imagem tem muitas pessoas e que elas estão brincando. Disse que é uma pintura muito antiga, que foi produzida há quase 500 anos e que seu autor chamava-se Pieter Bruegel. Na página do livro ao lado da pintura, há detalhes de brincadeiras que povoam a imagem.É muito curioso, ao ver a obra, enxergar um monte de adultos brincando. É uma realidade que provoca certo estranhamento. A rua, na minha primeira impressão, pareceu um cenário de caos. Por não ver isso nas cidades contemporâneas, sobretudo adultos nas ruas brincando e se contorcendo, foi inevitável estranhar todo o movimento da cidade de Bruegel. Além disso, a pintura revela uma faceta que o adulto de nosso tempo sepultou: a do brincar. Não gostaria de afirmar que todo adulto não brinca, mas é certo dizer que pelo menos grande parte já deixou seus brinquedos e brincadeiras de lado ainda na infância. Segundo GARROCHO(2010)[3],

Há um dia em que paramos de brincar. Um dia em que guardamos nossos brinquedos. Não que isso aconteça necessariamente de uma só vez, porém, mesmo assim abandonamos, de um jeito ou de outro, nossas mais belas aventuras e partimos para um mundo opaco.

Eis um outro trecho de um bom texto lido na internet que dialoga com este (site nº 4 nas referências pós-textuais):

Bachelard, por exemplo, fala que a infância deposita um tesouro de imagens e devaneios “em cada ser”, como um “jardim secreto”, guardado para mais tarde. Freud diz uma coisa parecida: ele fala que, quando a pessoa cresce e pára de brincar, ela apenas abre mão da conexão com os objetos reais, mas continua “construindo castelos no ar, sonhando de olhos abertos”. Ele chamava a imaginação de um parque de recreio — “um Parque Yellowstone”, preservado para nosso prazer futuro, quando não suportássemos a camisa-de-força da civilização.

Porém, nem sempre foi assim. Bruegel pintou uma aldeia medieval onde sua população provavelmente brincava com certa freqüência. Será que as pessoas tinham horas ou dias marcados para essa reunião? Enquanto muitos brincavam, outros trabalhavam ou envolviam-se com outras atividades ou esse momento era, de certa forma, obrigatório para todos? Essas perguntas aparecem quando olho para a imagem.

Voltando ao encontro com o livro e a turma de 4/5 anos, apresentei outras imagens e, assim que percebi o início do desinteresse do grupo, fechei o livro e deixei-os mais à vontade. As crianças, então, buscaram os brinquedos da sala. Espontaneamente, pequenos grupos formaram-se e uns escolheram panelinhas e outros o jogo de encaixe. Fui para a mesa começar este texto. Num certo momento, uma menina, M., mostrou o que havia feito com o jogo de encaixe: um robô.

“Robô”. Autora: M., 4 anos.

Fiquei feliz por ter encerrado o encontro de hoje com a presença do robô. Naquele contexto, não era apenas um corriqueiro amontoado de peças do tão conhecido brinquedo da escola. Sei que mesmo sem a conversa, o que as crianças produzem com jogos de encaixe, por exemplo, carregam complexas e ricas questões. Porém, o olhar acostumado de muitos adultos e às vezes até o nosso, quando está cansado, nem sempre valoriza tais produções.


[1] ROSA, Nereide Schilaro Santa. BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS. Coleção Arte e Raízes.Editora Moderna, SP, 2001.

[2] Brincadeira de rapazes, Pieter Bruegel, 118x161 cm, Kunsthistorisches Museum, Viena.